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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A Vida sem televisão

Quando eu trouxe meu pai aqui pra roça passar uns tempos comigo, eu não sabia como ele se sairia semanas sem televisão, sem rádio ou internet.

Na verdade, também não sabia como eu me comportaria sem internet.
A casa no alto da montanha é mais tecnológica. Quando funciona, tem internet e telefone, tudo via rádio. Tem tv a cabo, SKy, pra ele se divertir com Geographic Channel, History Channel e Oprah Winfrey. Mas também tem escada, tem água que sobe 150 metros montanha acima, com uma bomba. Que não esta funcionando direito.
Aí eu pensei, que com cadeira de rodas, necessidade de muita água, era melhor ficar na casinha de baixo, onde tudo é mais simples. A água vem da mina, por um cano de borracha, e deságua numa caixa grande. Tudo ótimo.
Lá a vida é mais na natureza, ouvindo os sons da mata, da chuva, e dos pequenos animais que estalam nas paredes, como se elas tivessem vida. E tem.
Casinha antiga, de mais de 60 anos de vida, construída com tijolos queimados pelo próprio dono do terreno, que construiu sua casa que dura até hoje.
Tem as melhorias que fizemos, integrando o banheiro com a casa.
Na verdade, uma digressão, já que falei de banheiro. Meu sonho de banheiro é bem parecido com o do Alceu Valença. :)
Tem cozinha com fogão a lenha, também integrada á casa.
E foi nesta cozinha que passei boa parte do tempo, com janelas e portas abertas, ligada nas coisas da rotina de ver roupas, comida, limpeza, mas ligada também no verde, no cheiro maravilhoso do verde molhado, dos sons que vem dos córregos, tudo direto, por semanas a fio. Acordar com os jacus fazendo barulho no quintal, os cães correndo atrás, inutilmente tentando alcançar estes pássaros enormes, pretos e barulhentos... :)
Uma vez por ano, por algumas semanas dá pra ouvir um pica-pau solitário, bicando vigorosamente numa árvore, fundando assim seu ninho. O resto do ano ele some.
Maritacas, papagaios, araras, tucanos.
Estes dias um muriqui filhote foi visto nas árvores da praça da cidade. Ainda não decidi se isso foi bom ou não. Saber se o macaquinho veio por fome, se tem gente alimentando animais, o que é expressamente proibido; se os macacos estão chegando pra cidade por não ter mais matas para eles, ou se foi um feliz acidente de um macaquinho fujão e curioso com aqueles seres coloridos e barulhentos lá embaixo, no chão.
Antes do ano novo, aluguei a casinha para uma familia de São Paulo, que queria paz e tranqüilidade.
Hoje passei de manhã e vi o Roberto com um aparelho nas mãos e um fone de ouvidos, captando os sons da roça com sua tecnologia importada, já que é Engenheiro de Sons.
Ele estava encantado com os sapos, aliás tem um morando dentro da casinha. Avisei a eles que era a Narceja, uma sapinha inofensiva. E que, se encontrarem um cocozinho fino e bem escuro, é dela. Quando o coco do sapo seca, ele esfarela e vira casca de inseto, de besouro, diversos exoesqueletos não digeridos.
Agora papai esta vendo televisão, vendo a Dilma
andar de carro pela esplanada do planalto central do país.
Continua os sons da Natureza, no entanto, como os mais agradáveis e necessários ao ser humano.
Agora na casa de cima tenho internet, blog, outros sons me chamam a atenção.
Mas quando eles se forem, nós dois voltaremos ao paraíso verde, onde não tem televisão, nem rádio.Vou ficar mais umas semanas ausente na net. Tudo bem. :)
Desejo a todos um ótimo ano. Que 2011 seja repleto de novos sons, novos cenários, novos caminhos, novas estórias, novos movimentos para todos nós.

Krenten Brood

Sem televisão e sem rádio e net fica até fácil entender porque a culinária acabou sendo um ótimo passatempo na roça, agora que os dias são quentes, mas incrivelmente chuvosos.

A estação chuvosa começou tarde, com quase 2 meses de atraso. Agora vai chover muito. Hoje, por exemplo, não vejo a montanha da frente. Tudo é branco, e sem vento a água vai caindo sem parar, como uma parede.
Na casinha, meu pai começou a lembrar da infância na holanda, antes e depois da guerra. Falava dos pães que sua mãe fazia e da alegria que daria a ele fazer uma receita.
Fomos na cidade no dia seguinte, na segunda de manhã bem cedo.  Acontece que em São Chico, tudo fecha nas segundas. Ou quase tudo.
A padaria da Carmem esta aberta; Graças a deus. Ela é padeira, confeiteira e poderá me vender os ingredientes.
Dito e feito. Pra que você quer tudo isso? Expliquei: Meu pai quer fazer uma receita de Krenten Brood, um pão holandês da infância dele, uma espécie de panetone.
Krenten Brood, repetiu a Carmem, com cara de curiosa.Eu também estava. Animada.
Vamos então, sr. padeiro. Vamos pra casa fazer Krenten Brood.

A receita é grande. Confesso que fizemos a receita 3 vezes já. O segundo ficou sem crescer. Decepção. Vinha gente e papai ficou triste, como uma criança que não ganha presente no natal. Tínhamos farinha, fermento e frutas cristalizadas. Faríamos uma terceira vez.
Que bom. Deu certo.

Um quilo de farinha branca, misturada com dois saquinhos desses de fermento para pães. Misturar tudo com meio litro de leite morno, um ovo inteiro batido, frutas cristalizadas (eu coloquei 500 gramas, pois meu pai queria muita fruta), com uma pitada de sal.
Vale falar que não é panetone. É pão!
Vai para um lugar morno, numa bacia depois de sovadinho, coberto com uma toalha pra não pousar mosca, e deixar descansar por 40 minutos. Depois sova mais um pouco, separa em formas e deixa crescer mais uns 40 minutos, no mesmo lugar quente.
Eu costumo untar as formas com manteiga, farinha, coloco metade da forma com a massa do pão e deixo crescer no forno morno, mas desligado. Aí ligo o forno e é mais uns 45 minutos.
Passa manteiga, geléia, mel, queijo para quem gosta de misturar salgado com doce, algo que eu simplesmente adoro.

Falei pro meu pai que postava a receita aqui. Ele concordou.
Foi uma alegria fazer o pão com meu pai, um bom velhinho, sem dúvida. Estes dias de chuva,
ficarão em minha alma para sempre, como um presente do Universo.

Com café pretinho, feito na hora, ok??

Era ou não era espírito??

Nem eu vou ousar responder. estas coisas são difíceis de ter uma resposta certa, definitiva.

Eu poderia contar muitas estórias de visões, aparições, mas mesmo assim, seriam reflexos da minha memória, que poderia estar sob efeito de alguma droga (:)), ou impressionada com algum evento, sei lá. Nem sempre o que vemos ou ouvimos é interpretado corretamente por nosso cérebro.
Eu já andei no escuro em lugares lá na roça que, durante o dia era uma coisa, mas de noite... putz...dá medo. E não é por nada, nem por gente má que ronde o local. É medo do que não se vê, do desconhecido.
Eu sei que desta vez, participaram da estória meu pai, o que não quer dizer nada, pois por causa do Mal de Parkinson, meu pai toma remédios  que, com o uso prolongado, causam visões, alucinações. Mas além dele, o Melão, meu super cão bobão e eu.
Foi assim: eu estava no tanque, lavando roupa míuda para secar nos espaços de sol que se abrem pouco aqui no período das chuvas. Esfregava com vigor quando ouvi meu Melão latir e abanar o rabo. Uma voz disse algo que eu não compreendi. Só reconheci a última palavra: "...cachorro!". Puxa, quem será que esta ralhando com o Melão?? Fui pela sala, ví que meu pai também tinha ouvido a pessoa, o Melão ainda estava na mesma posição, meio impertigado, abanando o rabo e virado para o lado de onde a voz tinha vindo.
E olhei, gritei Oi e nada. Dei a volta na casa, pois pensei que talvez a pessoa tivesse dado a volta ao me ouvir lavando roupa do tanque. Nada.
Entrei na casa, e disse: "-"que estranho, pai. Achei que alguém tivesse falado alguma coisa. Juro que ouvi. Mas devo ter me enganado".
Não se enganou não, disse meu pai. Eu também ouvi, e estava reclamando do Melão, que latiu quando "ele" chegou.
Putz.
Sim, era isso mesmo.
Meu pai também tinha ouvido a mesma coisa que eu.
Voltei para o tanque, mas uma boa parte do dia eu fiquei arrepiada, olhando para as árvores, ouvindo os sons que vinham de fora.

Melão ainda abana o rabo para o invisível de vez em quando, mas eu já não vou mais lá fora procurar. Espírito ou gente viva, na matéria, eu não me importo. Se quiser falar comigo, vai ter que me chamar. Bater palma, gritar olá!!, qualquer coisa que defina um chamado.

Afinal, tempo é precioso, mesmo na mata.

O avião que caiu no mato!

A polícia do sub-distrito foi avisada que um mono motor havia caído perto da cidade, numa área de difícil acesso, no meio da serra da mantiqueira, lá na grota funda. E que olhassem tudo, pois havia a possibilidade de uma maleta, com mais ou menos um milhão de reais, fruto de contrabando.

Saíram em dois carros. Um na frente se destacou do outro, acabou chegando primeiro.
Quando os outros policiais chegaram, viram o que chegara mais cedo, dizendo que piloto e co-piloto já estavam mortos. Revistaram tudo, avião, o terreno em volta, e não acharam nada.

Voltaram para a delegacia, sem maleta, mas com o relato do local da queda, os corpos, localização (ainda não tinha GPS), e nova turma de busca foi feita.

As semanas passaram e, depois de muito interrogatório, os soldados foram dispensados.

Os anos passaram. O soldado não é mais jovem. Envelheceu, como todo mundo. Anda pelas ruas da cidade, de camisa aberta no peito, boné, óculos escuros, chinelos de dedo, um palito na boca, (nojento!), e um sorriso perpétuo no rosto queimado de sol.
Anda de cabeça erguida, depois de estacionar seu carrão importado do lado do cavalo do seu Zé, do açougue.

A filha tem uma loja na rua principal da cidade. Não vende muito, mas está firme no negócio. Alugou a lojinha do lado, onde vende móveis, numa concorrência às casas Bahia, líder em vendas na roça de meldeus.

Em conversa fiada, sempre reclama da vida. Comenta como os preços estão caros e como é difícil a vida de aposentado da polícia.

Putz... verdade eu não sei se é.

Mas a estória me rende muito tempo sentadinha na praça, tomando sorvete e olhando pro carro preto, lindo, estacionado em frente da loja da filha.

Adoro morar no interior.

Tão diferentes e tão iguais.

James Mollison é um fotógrafo queniano, fotografou crianças e macacos, entre outras coisas.

Constatou que assim como nós, os grandes primatas tem um rosto diferente do outro.

Assim como nós, cada um leva no corpo aquilo que é no interior. Tudo bem que, quem vê cara não vê coração. Mas é inegável que trazemos em nosso corpo marcas daquilo que somos por dentro.

E que lidamos mais com as diferenças físicas do que as espirituais nas escolhas de nossos companheiros de vida, sejam amigos ou amantes.
Fiquei pensando nas escolhas que fazemos, o que levamos em consideração num primeiro momento, num segundo momento?
Como fazemos nossos julgamentos pelo tipo físico e quão consciente isso é .

Acho que o que vemos no físico. Uma pessoa carrancuda não me atraí, enquanto que um sorriso pode fazer milagres.
Um rosto simpático pode atrair multidões, apenas por estar ali, simpático.
Não quer dizer que vai ser honesto, ou violento, que matou ou fez rir alguém.
Apenas atraí mais.

Cuidar do que mostramos em nossas expressões...cuidar de nossas expressões. Escolher aquelas que eu quero que moldem meu rosto.

Pensei também naquilo que somos e escondemos, até de nós mesmos.

Gente é um bicho louco.
Tem gente de todo jeito e pra todo gosto.

Tão iguais e tão diferentes, ne??