Olhei meu horóscopo desta semana num site até que bem legal.
Não entendo nada de astrologia, e embora tenha feito curso de reconhecimento celeste e goste de ler Hawkings e toda esta turma, confesso que, de vez em quando, pulo a cerca da lógica e da ciência e pulo pro terreno vizinho, menos nobre, da Astrologia.
Já tentei ler sobre o assunto, mas minha capacidade de guardar toda essa informação (ou qualquer outra) no meu cérebro quase cinquentenário, está se esgotando.
Nem do tal horóscopo semanal, lido faz pouco tempo, eu guardei muita coisa. Na verdade, guardei uma só: que não tinha nada de muito importante pra acontecer, mas que, de qualquer forma, eu bom eu ter um extra de paciência para não me desgastar com coisas que não valiam a pena.
Pensei pouco sobre a frase, mas ela ficou firme em algum lugar em mim.
Hoje é sábado.
Não fiz muita coisa, pois estou "de castigo", cuidando do "meu pai".
Já vou explicar as aspas em castigo e meu pai.
Castigo porque estou na cidade grande chamada São Paulo, a maior da América Latina, num prédio de apartamentos pequenos, num bairro de classe média, onde a janela de um quase encosta na janela do outro, dividindo espaços íntimos de forma tão cruel.
Castigo porque não posso sair desse apartamento, pois estou sozinha com "meu pai" (já já explico, calma), que tem Parkinson há quase 20 anos. Isso, para quem não sabe, significa que ele já está vivendo a fase das alucinações, causada pelo excesso de fortes remédios, tomados ininterruptamente, por tanto tempo. Não pode ficar sozinho, pois não anda mais direito, não faz mais as necessidades básicas que um homem normal faz sem pensar. Não come direito, não toma banho sozinho, e cai com frequência, se machucando ás vezes feio, obrigando um tratamento ainda maior, mais cheio de cuidados, para não piorar a situação, que, por si só, já é bem ruim.
E as alucinações quase que obrigam meu pai a andar ofegante pelo pequeno apartamento, em grande dificuldade, cheio de medo daquilo que só ele vê. Esse agravante torna o convívio difícil, pesada, pois na hora de conversar sobre o que é real e o que não é, a razão não entra neste diálogo, e cair é fácil. Não só cair no chão, mas cair na armadilha de chamar o homem que ele foi de volta (estou quase me fazendo entender sobre as aspas em "meu pai", não é?) á realidade. Nestes momentos, há desconfiança, e a filha não é mais a filha, é alguém que não está acreditando nos seres que saem das tubulações de eletricidade, dos homens mascarados que estão atrás da porta do banheiro, dos movimentos de complô e destruição, que, para ele, estão em toda parte e são mais reais do que aquilo que está em torno: um apartamento pequeno, mas bem mobilhado, com 3 adoráveis gatinhos, cores claras nas paredes, e um quadro das duas filhas (minha irmã e eu) pequeninas, pendurado na parede.
No prédio ao lado, quase tocado, uma festa rola no salão. Uma menina faz aniversário, e os entes queridos e amigos cantam parabéns entre palmas e risos.
Eu lembro das festas que eu comemorei em minha infância, não aquela lembrança clara, mas embaçada, daquilo que já faz tempo que aconteceu. Não tem sons, mas lembro de cenas, de sentimentos, de alguns acontecimentos.
Faz tempo que não gosto de comemorar meus aniversários. E, no dia de hoje, a comemoração é quase um acontecimento triste para mim.
No calor da confusão, do homem em estado de alucinação louca, desesperado, eu deixei de encarar como pai. Saí de mim, fora do corpo, para observar a situação mais friamente.
"Meu pai" é um ser individual, com um passado nas costas. Passado pesado, triste, vivido na Holanda, em infância roubada pela segunda guerra mundial. Seus irmãos mais velhos, 3 ao todo, tiveram idade de servir e foram para os campos de batalha. Voltaram todos com as alucinações de perseguição, atacando armários e portas, certos de que os alemães estavam de tocaia em suas casas.
Este homem, velho e comido pela doença, já não é mais "meu pai". Não que ele tenha diminuído aos meus olhos. Não. Ele explodiu, quebrou os limites do corpo, e se tornou um Espírito vivendo seus medos, suas dores, seu fim mortal.
Que lição tiro disso?
? Falar da transcendência da alma lembra muito uma questão de fé, e confesso que, no momento, não sinto muita fé religiosa. Mas minha relação com Deus é mesmo assim. Altos e baixos. Tenho certeza que Ele já está absolutamente acostumado comigo e com todos os inseguros filhos que vieram antes e que virão depois de mim.
? Falar de amor incondicional seria mentira. Minha alma é muito humana para não odiar e desejar a morte, para não sentir desprezo, para não sentir medos. A genética é ciência bem clara, e a minha posição não é muito confortável no momento. Claro que não falo da posição nesta cadeira, mas sim do meu código, que me coloca numa situação de medo e desconforto com relação ao meu futuro. Reconhecer-me frágil, perdendo o orgulho, talvez seja uma boa lição. Viver o agora, vigorosamente, não bestamente, talvez seja uma outra boa lição.
? Paciência, que me falta de monte, uma outra lição, não daquelas que já se aprenderam, mas sim daquelas que ainda vamos aprender, sabe? Como se eu olhasse o livro lá na frente, e visse que terei estudos extras para aprender. Preparar-me seria uma atitude boa a tomar. Talvez Meditação seja o caminho. Caminho para a alma. Buscar o centro do meu Ser, para não perder a consciência, para não perder os detalhes da vida.
? Dar valor as coisas pode também entrar na lista de aprendizado, meio que se confundindo com o Viver o Agora, com sabedoria e envolvimento.
Meu rosto esta afogueado. Minha respiração está difícil e meu rosto está triste, tenho certeza que reflito nele o momento que eu vivo.
Não tive filhos, nunca os terei nesta vida. Não tive nem adotivos, nem de coração. Todas as crianças que cruzaram meu caminho já tinham pais e mães, e eu não precisava ocupar um buraco no coração destes pequeninos seres.
Aliás, lembro-me agora de um menino, de uns 5 ou 6 anos, que na minha adolescência eu cheguei a abraçar num orfanato. Ainda me lembro da voz das atendentes dizendo alto para que eu ouvisse que não era bom as pessoas demonstrarem tanto carinho por estas crianças, se não tinham maturidade para assumir este carinho. Era colocar uma esperança de amor no coração de quem não tinha nada, a não ser a enorme vontade de ser amado, de ter um adulto que o acolhesse com amor neste mundo. Não sei se estavam certas. Não posso saber, pois o ônibus da instituição religiosa que me levou até lá, me trouxe de volta para casa, e eu nunca mais retornei.
Depois disso, nunca mais fui a um orfanato.
Deixei meu pai (agora sem aspas) no quarto. Vim pra sala digitar minha confissão.Para abrir meu coração, para desabafar e chorar.
Daqui a pouco, terei o jantar pela frente.
Depois..bem, depois eu deixo para quando o tempo certo chegar.
Agora é agora.
E chega.